segunda-feira, 7 de abril de 2008

Deadline Entrevista: Cezar Távora


É fácil identificar quando as notas musicais saem da gaita de Cezar Távora. Elas são “fritadas” à base de muita sensibilidade e técnica. Suas frases de harmônica são modernas, agressivas e cheias de referências, que vão desde o folk rural de Sonny Terry ao blues abrasileirado de Flávio Guimarães. Esse carioca, nascido em 1960, criado em Lins de Vasconcelos e Vila Isabel, tem paixão pela capital do Espírito Santo, o lugar que, segundo ele, o acolheu e o tornou conhecido no meio artístico.

A seguir, o gaitista Cezar Távora fala sobre seu início no blues, como foram os anos na Big Bat Blues Band e sua ida para o Buster Blues.

Você começou a tocar a gaita cromática, mas foi com a diatônica que se destacou no blues. Como encontrou a gaita diatônica?


Ainda no Rio de Janeiro, procurava em lojas a gaita que escutava em músicas que tocavam na Rádio Fluminense, conhecida como “A maldita”. Sem informações básicas sobre o instrumento, falava sobre a gaita que queria com as pessoas conhecidas, com vendedores e com os músicos, mas ninguém me entendia.

De tanto insistir na procura pelo som acabei encontrando a tal gaita e descobri o estilo característico dela. Era o blues! E foi assim, sem orientação e sem acesso aos sons que queria escutar, que descobri esse estilo musical arrebatador.

Como músico profissional, qual foi o seu primeiro contato com o blues?


Em 1992, já tocando a gaita diatônica, fui convidado para gravar as harmônicas do primeiro disco da banda Urublues. Neste disco de estréia do grupo, que levou o nome da banda e que também foi o primeiro CD lançado por uma banda capixaba, ainda participaram outros músicos como Kátia Brinco, Saulo Simonassi, Alexandre Lima, Mário B., Léo e Chico Júnior.

Como você conheceu os músicos da Big Bat e entrou para a banda?


Também em 1992, ano importante para minha entrada no mundo do blues, vi um anúncio chamando para o show da Big Bat Blues Band que ia acontecer no Loca's Bar, em Bairro República. Cheguei ao local e encontrei dois caras tocando um blues no violão. Era o Eugênio e o Cláudio, dei uma canja e um tempo depois eles me chamaram para entrar para a banda.

Lembro que, no dia, uma chuva quase impediu a minha ida ao bar. Saí de casa, o tempo estava nublado e tinha começado a chover, então, chamei minha esposa e minha sogra para irmos a uma pizzaria. A sorte é que o tempo melhorou e a chuva cessou por volta da meia-noite. Fui para o bar do Loca, os caras começaram a tocar, dei uma “calibrada” na cerveja, conversei com o Eugênio, que foi receptivo comigo, e, só aí, foi que eu dei a canja. O público gostou e no show seguinte, já estava na banda.

Em 1993, chamei para completar o grupo os amigos do Tequila Blues, Mário B. e Carlos Garcia. Nesse período, fizemos shows na Ilha da Fumaça, mas o marco para a banda foram as apresentações no Metrópolis, na Ufes. Foi a partir daí que a Big Bat começou a ganhar nome e espaço na cena musical do Estado.

O que Big Bat Blues Band representa ou representou para sua vida?


Passei 15 anos na Big Bat, o mesmo tempo que tenho de casamento. No início, o Cláudio me incentivou bastante e me passou muito material sobre o blues. A minha preocupação sempre foi tocar bem, influenciar-me pelos gaitistas importantes, sem deixar de lado as minhas referencias de jazz e MPB para traz.

Tocar na Big Bat Blues Band foi parte da história da minha vida. Ao mesmo tempo em que ela me fez crescer como músico, foi um aprendizado na área do blues. Saber que evoluí como instrumentista e que ganhei credibilidade no meio musical são pontos fundamentais quando o assunto é a minha trajetória na banda.

Nesses 15 anos de banda, qual foi o momento mais marcante para sua carreira como músico?


Tocar com o Blues Etílicos, aqui no Espírito Santo, e as duas idas para o Festival de Blues e Jazz de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, foram grandes momentos da minha passagem pela Big Bat. Esses marcos fizeram com que eu visse que tenho condições de tocar com músicos profissionais de qualquer lugar e que não devia mais nada.

Quais são suas principais influências na gaita blues? E o seu estilo, como foi criado?


O primeiro gaitista de blues que escutei foi o Charlie Musselwhite. Esse realmente é uma figura ímpar no blues, tocou com grandes mestres como o Muddy Waters. Outro que tenho como referencia é o Flávio Guimarães. Escutar ele no Blues Etílicos me ajudou a desenvolver gaita à minha maneira.

Meu estilo é uma mistura, acho que o meu som na gaita é mais moderno. Não sou um gaitista propriamente de blues. Identifico-me com o contemporâneo. Adoro o blues tradicional, mas a música se transforma e fica muito difícil tocar o que os grandes gaitistas do passado fizeram. Hoje, o espírito para interpretar a música é outro, o estilo de vida e as dificuldades do dia-a-dia também são distintos e isso é refletido na maneira de tocar.

Influenciei-me por todos os velhos monstros da harmônica. Sonny Boy Williamson II, Sonny Terry, Junior Wheels, George “Harmonica” Smith, Billy Boy Arnold, Little Walter, William Clarke, Sugar Blue, Carey Bell, Billy Branch e vários outros gaitistas fizeram parte da minha formação musical. Quando comecei a conhecer esses mestres, tocava junto com o CD. Assim, acho que consegui pegar um pouco da técnica de cada um.

Quando você estava começando a estudar a gaita, qual era o seu método?


Sempre procurei fazer as frases da guitarra na gaita. Quando era jovem, logo depois de ganhar minha primeira gaita, aos 12 anos, escutava o Jimi Hendrix tocar no rádio e tentava acompanhá-lo, era uma missão impossível, mas divertida. Eu também queria imitar as frases do saxofone, não tinha referências de gaitistas na época. Só fui conhecer Maurício Einhorn aos 14 anos. Era difícil encontrar o material desses músicos nas lojas de discos.

Você formou uma série de gaitistas no Espírito Santo. O que é necessário para ser um harmonicista?


Tem que ter humildade, simplicidade, disciplina e dedicação. Você tem que gostar do que faz e o instrumento tem que fazer parte da sua vida. Saber escutar os outros é importante. Muito do que sei sobre música foi pelo fato de conhecer e conviver com músicos. Isso é uma receita não só para os gaitistas, mas para os músicos em geral.

Estudei, tirei a carteira de músico aos 15 anos de idade, no Rio de Janeiro. Minha esposa também me ensinou bastante a teoria. Isso é um pouco viciante, cada vez que você aprende, mais quer aprender. Mas, não basta estudar. A noite é a verdadeira escola para o músico.

O que a música representa para você?


Hoje, o primeiro plano da minha vida é a minha filha, em seguida, minha esposa e, em terceiro, a música. Tiro o meu coração por minha filha. A música é o ar que respiro. Ela me acalenta não só tocando, mas ouvindo também. De maneira geral ela é a minha válvula de escape. Ao mesmo tempo em que a música alivia os anseios da vida, ela é ingrata. Tenho um emprego de funcionário público que tolero para me manter. É muito difícil viver só de música.

Hoje você está tocando com o Buster Blues. Como é o recomeço?


Com o Buster quero ir fundo ao blues. A intenção da banda é muito séria, queremos levar o blues para todos os lugares, sem distinção de classes sociais ou bairros, cor ou credo. Vamos distribuir nosso material fonográfico e videofonográfico pela Internet e fazer blues, com o pé no chão. Não tenho ilusões quanto ao blues, mas meus objetivos são claros. Dentro da medida do possível vamos tocar bastante, sair do Estado algumas vezes e ganhar estrada.

Como você analisa a cena blues do Estado?

A cena se estabilizou. Quando o blues apareceu no Estado, surgiram várias bandas, mas, agora, parece que está tudo parado. Com muito esforço, as casas de show acolheram bem o blues. Acho que a população está começando a conhecer o estilo. Isso é bom para a continuidade das bandas.


*foto gentilmente cedida por Fábio Vicentini.

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