quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Blues Brasil S.A.




No Brasil, existe uma discussão sobre o porquê da diferença entre a música rural brasileira e a feita no Sul dos Estado Unidos. Essa questão é solucionada quando se analisa a regionalidade do tráfico negreiro. Os fazendeiros brasileiros preferiam escravos de Senegal, os espanhóis escolheram os iorubás, os ingleses gostavam dos ashantis e os franceses optaram pelos negros de Daomé. Uns tinham como principal manifestação musical a voz outros os tambores, vide o batuque do samba nas terras brasileiras.

Já o folclorista brasileiro Mario de Andrade afirma existir proximidade entre as músicas rurais do Brasil e as do Sul norte-americano.

“Nos congado, moçambiques e sambas de negros rurais ou já de caipiras de São Paulo, as frases de recitativo entre as danças são propositalmente dadas com tais glissandos e portamentos, com tão prodigiosa indecisão melódica, que não é possível grafar estes recitativos. Na realidade, a impressão que se tem é que existe um tema, exclusivamente virtual, que é impossível por determinar com exatidão, sobre o qual os cantadores variam sempre em quartos de tom, desafinações voluntárias, nasalações sonoramente indiscerníveis, arrastados e portamentos de voz. Tudo isso pela sua própria pobreza deixa cantador e ouvinte numa indecisão pasmosa, completamente desnorteado e tonto: porque esse é realmente o processo de tornar mais forte, mais eficaz, o poder hipnótico da música”.

Neste caso, parece que Mario de Andrade se refere ao tão vangloriado feeling blues, ou o sentimento. Mas, de fato, o blues é um gênero exclusivamente afro-americano e não se desenvolveu em outros países de cultura européia que tenham recebido populações negras. Mesmo assim, partindo do princípio de que para se fazer blues basta senti-lo, é irremediável que artistas de outras nacionalidades tomem referencias desse estilo musical em sua produção, sem preconceitos ou preciosismo.

O bluesmen brasileiro Celso Blues Boy certa vez disse que “somos brasileiros e devemos cantar na nossa língua”. O guitarrista carioca, que já gravou com o mestre B. B. King, depois dos festivais de jazz e blues que aconteceram no Brasil em 1978 e 1980, lançou em 1984 o seu primeiro hit Aumenta que isso aí é rock'n'roll e, com a febre gerada pela Rádio Fluminense, o blues se intensificou no país do samba e do futebol. Nomes como André Cristóvam e Blues Etílicos logo ganharam força e, até hoje, o blues feito em terras brasileiras tem revelado muitos intérpretes, além de conseguir respeito da crítica.


No Espírito Santo, este início não é diferente. Em Vitória, no ano de 1986 surge no campus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) a Urublues, a primeira banda a levar blues no nome. Nos anos 90, aparecem a Big Bat Blues Band e a Fábio Mattos Blues Band. Outros músicos, como Paulo Branco, Afonso Abreu e Saulo Simonassi engrossam o coro do blues no Estado e passeiam pelo estilo, sem compromissos. Nos anos 2000, depois de um apagão na cena blues no Espírito Santo, o estilo é reforçado com a presença de novas bandas como a Sunrise Blues Band, o Buster Blues, o DC3, o Voodoo Trio, o Red Blues e a Black Jack.

*Trecho de "Espírito Blues", livro de Rodrigo Rezende.