sábado, 19 de janeiro de 2008

"Marco Zero"

CULTURA. Bem longe da discussão sobre a origem da palavra blues está o chamado marco zero, a padronização de uma data-chave para o blues, a sua primeira publicação, que aconteceu em 1912. Neste ano, o filho de ex-escravos W. C. Handy, que, mais tarde, se intitularia o Pai do Blues, compôs uma música para a campanha eleitoral do prefeito Edward H. “Boss” Crump, com o nome de The Memphis Blues. No ano seguinte, ele criou o clássico St. Louis Blues, que já foi gravado e tocado por bluesmen e blueswomen de todas as épocas. Só para exemplificar a grandiosidade desta composição memorável de W. C. Handy, nomes como Bessie Smith, Billie Holliday, Louis Armstrong, Chuck Berry já tiveram esse eterno blues em seus repertórios.


Depois do marco da publicação vem outra data importante. Em 1920, acontece a gravação de Crazy Blues por Mamie Smith. O primeiro registro, em áudio, de um blues. Esse fato deu início ao boom do blues urbano, fincado na imagem das divas negras das race records. Um dos pilares responsáveis para o surgimento das mulheres interpretes de blues foi o êxodo das populações negras do Sul para as grandes cidades do Norte, motivadas pela crise econômica, pelos acidentes naturais, pela praga do algodão e pelo fim da Primeira Guerra Mundial. Dessa reação sócio-geográfica, nascem diversas canções como o standard Sweet Home Chicago, composição do mito da encruzilhada, Robert Johnson.

Oh, baby, don't you want to go?
Oh, baby, don't you want to go?
Back to the land of California, to my sweet home Chicago.


Além do êxodo do negro para cidades como Chicago, a poesia do blues, muitas vezes, tem o seu tom trágico, mas, também, pode rir de sua própria desgraça. Existem blues que falam de doenças, como a pneumonia e a tuberculose (epidemias do início do século XX), outros narram a história da vida de uma personalidade. Alguns blues trazem os trens como uma espécie de veículo rodeado de segredos e magias. Mas, inexoravelmente, o amor ou o relacionamento entre um homem e uma mulher, principalmente os que não dão certo, compõem o elixir para se fazer um blues. Lógico, toda essa fórmula diluída em muito uísque, acompanhado de lamento e criatividade.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Etimologia do Blues



CULTURA. O jornalista Roberto Muggiati narra em seu livro "Blues: da Lama à Fama" uma verdadeira odisséia de fatos e versões sobre a etimologia da palavra blues. Confira a viagem!


“A expressão
to look blues, no sentido de se estar sofrendo de medo, ansiedade, tristeza ou depressão, já era corrente em 1550. Na época pós-elizabethana, ou, mais precisamente, como registraram os lexicógrafos a partir de 1616 (ano da morte de William Shakespeare), era costume empregar o termo blue devils para designar espíritos maléficos. Em 1787, os blue devils passaram a simbolizar um estado de depressão emocional, enquanto a palavra no plural, blues, aparecia em 1822 relacionada às alucinações provocadas pelo delirium tremens. Em 1807, num trecho de Salamagundi XI, do escritor americano Washington Irving, a palavra também é usada com esta conotação: 'Ele concluiu sua arenga com um suspiro e eu vi que ainda estava sob a influência de toda uma legião dos blues.' O próprio Thomas Jefferson escreveu em 1810: 'Nós somos assaltados às vezes por algo dos blue devils.' Nos anos 1830 ou 1840, dizer que a pessoa tinha os blues significava que estava aborrecida; em 1860, já significava infelicidade. Um dos primeiros registros escritos da palavra está no diário de Charlotte Forten, uma negra que nasceu livre no Norte e foi trabalhar como professora de escravos na Carolina do Sul. Em 14 de dezembro de 1862, ela anotou no seu diário: 'Não tinha dormido mais do que dez minutos quando fui acordada pelo que me pareciam gritos terríveis vindos dos alojamentos dos escravos.' Os gritos a perturbaram de tal maneira que no dia seguinte, um domingo, ao voltar da igreja, ela anotou no diário: 'Quase todo mundo estava alegre e feliz; eu, no entanto, voltei para casa com os blues. Joguei-me na cama e, pela primeira vez desde que aqui cheguei, me senti muito solitária e lamentei minha sorte.' Pouco depois, em 1886, em Vida no Exército, de um tal de Gregg, aparece o desabafo: 'Foi muito bom para mim aquele dia em que pude enxergar o lado mais iluminado do caso e evitar um severo ataque dos blues'....”